quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

MAIS UM MANDATO

Estou novamente sentado à essa mesa. Essas pilhas de santinhos já estão me incomodando. Não consigo mais olhar para isso. Oh! Meus Deus, faltam ainda 15 dias! Minhas mãos estão úmidas e frias. Que dor de cabeça! Será que a pressão está subindo de novo? Vou puxar o plugue do telefone. Não quero ouvir mais ninguém. Nenhum espertinho vai me achacar mais uma vez e puxa-saco nenhum vai me bajular de novo. Ai! De novo esse barulho estridente dessa musiqueta em forma de cantinela invadindo o ar, anunciando o nome dos concorrentes, enquanto o carro de som passa lentamente.

Seria bom poder ter uma trégua, mas, esse desejo é ingênuo nessa altura da guerra. Como minha vida irá mudar caso eu seja derrotado. Não! Melhor nem pensar nisso! Mais um mandato é o que preciso. Só mais um...

Ah! Como tudo era diferente, quando comecei a pensar em ocupar aquela cadeira. Como falava bonito sobre a ética e contra a corrupção nos protestos na época da universidade! Era mais fácil criticar. Naquele tempo, viver era mais inofensivo. Atraía a atenção de todos no happy hour. Como os amigos acreditavam em mim. Quanto ideal tinha... Sonhava em ser o maior fiscal do

Executivo que o município já vira. Nunca votaria contra o povo. Proporia projetos e mais projetos para o bem de minha cidade. O ser humano estaria acima de tudo.

Hoje, a minha própria imagem discursando naquela época vem me atormentar, condenando-me por aqueles descuidos. Deveria ter previsto que aquilo faria com que a base de meus ideais começasse a balançar. Mas, os outros também aceitaram, eu não sou ninguém sozinho, uma andorinha só não faz verão. Nenhum ser humano normal faria diferente... Porém, eu deveria ter me arriscado a não me igualar aos outros... Mas e a coligação? Eu deveria abandonar tudo e viver novamente minha vida normal. Como fazer isso agora? Eu só preciso de mais um mandato...

Eu garanto: dessa vez vai ser diferente!

Devia ter rompido com o esquema. Quero me afastar daquelas pessoas. Não decidirei mais as coisas sob pressão. Devolverei aquilo logo nos primeiros meses. Vou cumprir o que prometi à minha esposa. Serei um homem independente. Mas, e se não aprovarem nada meu? E aquelas malditas alianças? E se gelarem meus projetos? Por que caí nessa fria de novo? Não posso continuar sendo manipulado por essa gente! Vou desfazer tudo aquilo, antes de 3 de outubro...

Mas, agora, é inviável! É tarde demais para fazer isso! Oh! Deus! Ajude-me! Será que vale tanto a pena entrar de novo. Porém, se acreditarem em mim, mais uma vez, farei tudo diferente. Só preciso de mais um mandato...

Será que esses meus santinhos vão me ajudar mesmo?

Tudo está como o marqueteiro me orientara: um sorriso equilibrado, gravata com listas oblíquas, cabelo e barba impecáveis, a cor do fundo contrastando com o paletó, dentes branqueados, rugas aliviadas. Pena que o photoshop não refresca minha consciência e nem abranda minha ansiedade! Oh Deus! Será que terei outra chance?

Robson Brito, é pastor presidente da Assembléia de Deus em Maringá

sábado, 22 de dezembro de 2007

QUIETO

Robson Brito

Naquela manhã de março, o dia parecia mais escuro. Acorda já cansado. Depois de esfregar os olhos, pega o jornal na sacada. Tira o elástico e abre o periódico. Mais uma manchete de homicídio violento. A taxa de juro mais alta. Escândalo envolvendo outras autoridades. Novos casos de estupros. Aquela rebelião ainda não acabara. No Oriente Médio, mais uma bomba produzira orfandade, viuvez e mutilação.


O barulho dos carros se avoluma e invade sua casa. Uma sensação estranha se alastra por todo o corpo. Sente um medo de doer. Começa a pensar o que será de si, dos filhos, da esposa, do trabalho. Parecia sentir-se ameaçado como se alguém lhe espreitasse.

“O que posso fazer pelo mundo? Quem sou eu? Que tolice a minha... Violência, injustiça e morte sempre existiram; não sou eu quem sozinho vai consertar o planeta”.

O barulho dos motores que vem de fora aumenta. Buzinas, freadas... Mais um dia começa. Prostra-se no sofá, aprisionado pelas manchetes.
Olha desconsolado para porta do banheiro: “Escovo os dentes ou me encosto aqui? Ponho a água para ferver ou aviso que não estou legal para trabalhar? Chamo as crianças ou deixo-as dormir? Estarão seguras indo para a escola? Nunca essa rua foi tão barulhenta. Ora, não posso fazer nada para mudar isso. Que besteira, eu é que não estou legal, hoje”.

Larga-se por completo no sofá. Teme que não será capaz de fazer nada naquele dia. Percorre a casa com um olhar desconsolado. Mas, fixa-se no carrinho do filho, jogado no canto. Lembrou-se do seu tempo de carrinho, feito de lata de óleo, quando o pai, lançando-se ao chão como um coleguinha, ajudava-o a construir o brinquedo. A presença do pai lhe confortava. O olhar paterno o fazia sentir-se possuído por uma amorosa força, extremamente superior a si. Uma saudade arrasadoramente alegre o dominava... Um sentimento de amparo começa a crescer dentro de si.

Lembra-se do que ouvira na noite anterior: “Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele”.

A impressão que tinha é que era um menino. Estava entrando em um abrigo seguro e aconchegante. A sala parecia estar sendo plenamente amparada. Uma paz começa a crescer dentro de si e se avolumando até lhe dar uma intensa tranqüilidade. Era como nos bons tempos em que o velho pegava-o no colo, abraçando-o fortemente contra o seu peito forte. Sentia-se possuído por Alguém que lhe amava profundamente. Um estado de dependência foi lhe satisfazendo com uma gostosa plenitude.

Todavia, também ia percebendo fortemente que um mistério que não conseguia capturar totalmente o dominava. Não entendia tudo o que vivia, mas aquilo o tornava esperançoso: uma simplicidade de menino cuidado pelo Pai, protegido por Ele. Quieto. Queria apenas confiar n’Aquela força pessoal. Estava imensamente feliz por estar silente. Estava carregando suas baterias. Contentava-se em estar quieto e sentir-se confortavelmente amado... Depois de alguns minutos, pegou sua Bíblia da estante, pensou em cada frase do salmo 23. Abaixou a cabeça e orou por quinze minutos.

De repente, levanta-se como se saltasse para o mundo da segunda-feira disposto a correr horas sem parar; põe a água para ferver; escova os dentes; acorda os filhos, beijando-os; assobia no ouvido da esposa a música que ela preferia, ela se desperta sorrindo-lhe; ele põe rapidamente a roupa de guerra; enquanto amarra o cadarço do tênis, tem uma forte convicção de que aquele dia será mais um dia de vitória.

Robson Brito serve a AD de Maringá como Pastor Presidente